Quando idade rima com liberdade, é possível se manter na ativa investindo em conhecimento sem obrigações, por puro prazer.

Por Silvana Bezerra

A longevidade pode ser uma bênção, se for aceita e aproveitada da melhor forma. As obrigações profissionais e familiares muitas vezes afastam o indivíduo das coisas de que ele gosta, seja por falta de tempo ou dinheiro, ou por não serem encaradas como prioridade. Uma das receitas para se manter saudável é justamente manter a curiosidade e explorar assuntos e lugares nunca visitados antes.

A síndrome do ninho vazio

O problema é comum , mas não significa que todos o enfrentarão. Surge com o crescimento e a independência dos filhos, pode se agravar com a aposentadoria e, por fim, com a viuvez. Em cada uma dessas situações a rotina do idoso passa por transformações que podem levá-lo ao isolamento social e à depressão.

Para fugir desse cenário e permanecer ativo, especialistas recomendam cursos ou oficinas, participar de associações ou frequentar algum centro social. Criar uma nova rotina e manter-se em atividade proporciona-lhes bem-estar, melhorando a autoestima e a saúde.

De volta ao banco escolar

Imagine poder escolher as aulas que prefere, sem a obrigação de fazer a lição de casa ou ter boas notas. É exatamente assim que, em geral, funcionam os cursos destinados aos idosos. Os nomes podem mudar. Na Universidade São Paulo (USP) chama-se “universidade aberta à terceira idade”. Na Pontifícia Universidade Católica (PUC) chamam de “universidade aberta à maturidade”, por exemplo. Na USP os cursos são gratuitos. No caso da USP, entre outras opções, pessoas com mais de 50 anos podem frequentar aulas da graduação, como aluno especial, mas há ainda universidades que oferecem bolsas a idosos que queiram fazer pós-graduação.

Na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo a terceira idade começa mais cedo, a partir dos 50 anos. Lá o curso, promovido pela prefeitura e aplicado por uma cooperativa de profissionais diversos dura dois anos. A mensalidade gira em torno de R$140,00 e são oferecidas aulas de dança de salão, nutrição, psicologia, atualidades, português, direito dos idosos, cidadania, história da arte, dicas de condicionamento físico e noções básicas de inglês e espanhol.

Glória Monteiro Spadafora, aos 85 anos, é uma das alunas. Às segundas, terças e quintas passa a tarde na faculdade. Conta que conheceu o programa através de uma vizinha. Após a morte do marido, o serviço voluntário já não bastava. Ela queria mais e foi aconselhada a procurar o curso dedicado aos idosos. Começou e não parou mais. Gosta das aulas sobre saúde, nutrição, psicologia e português (gosta de escrever). Chegou a frequentar as aulas de inglês, mas prefere as de espanhol. Acha que o idioma a faz lembrar dos boleros e tangos que ouvia na juventude.

A turma da terceira idade também tem férias, e isso não significa falta de atividade: programaram uma viagem a Poços de Caldas.

Salete Valente é mestre em educação e coordenadora pedagógica da Faculdade Aberta de São Bernardo. Segundo ela, a mudança dos idosos que frequentam o curso é visível. A interação entre eles é muito fácil. A maioria é formada por mulheres, mas isso não intimida os homens. Há até casais em alguns grupos. O que explica a presença maciça das mulheres no curso? Para Salete é a curiosidade. Além disso, as mulheres costumam interagir mais. O programa que já completou 21 anos tem atraído cada vez mais interesse, mas chama atenção a procura por parte de quem nem chegou aos sessenta.

Talvez essa turma esteja mesmo em busca de reciclagem. Esse é o foco de Maria Helena Pimenta Santocchi, que concluiu o ensino médio e, hoje, revê muita coisa que ficou no passado. Ela frequenta o campus da PUC, em Perdizes, duas vezes por semana. Viúva, mãe de 4 filhos e com 4 netos, mora sozinha, mas não se sente só. Fez novas amizades no curso e se mantém ativa. Adora as aulas de geografia, história e saúde e, aos 87 anos, não para. Adora viajar e se prepara para “cabular” aulas no início do semestre: vai para Fortaleza.

José Cuccio, aos 71 anos, está aposentado, mas não parado. Conta que trabalhou muitos anos no antigo Mappin e vem sendo eleito consecutivamente representante da sociedade civil em vários conselhos, especialmente na área de saúde. Para tanto, ele já fez inúmeros cursos. Hoje frequenta a Escola Técnica do SUS, onde estuda Controle Social e Pedagogia da Saúde. Conta que passou por um “vestibulinho” e passa por avaliações para conseguir o certificado. Às vezes pensa em parar, mas acha que a saúde, como outros serviços, tem muitos problemas e ele, com o conhecimento adquirido, pode ajudar a sua comunidade. Em tempo, o trabalho de José não é remunerado. Trabalha voluntariamente para a comunidade da zona leste.

As freiras de Notre Dame

O neurologista David Snowdon, da Universidade de Kentucky, com a colaboração de um grupo de freiras, realizou um estudo para identificar formas de prevenir a demência. As freiras de Notre Dame não só aceitaram passar por avaliações periódicas das suas funções cognitivas, como doaram seus cérebros após a morte para complementação do estudo. A pesquisa durou 17 anos e o exame do cérebro de algumas das freiras falecidas revelou que uma delas, que jamais teve qualquer sinal de demência, apresentava as mesmas características patológicas de um paciente com Alzheimer avançado. Esse estudo associado a outros, feitos posteriormente, demonstram que atividades intelectualmente exigentes podem mitigar os efeitos das lesões cerebrais provocadas pela doença.

Para os pesquisadores algumas atividades criam uma “reserva cognitiva”. Entre as atividades recomendadas para esse fim estão: o interesse pela cultura; a leitura, a dedicação a trabalhos que exijam esforço intelectual, o exercício físico moderado diário e o aprendizado de música que inclui tocar algum instrumento.

Aprender coisas novas, desenvolver a criatividade, fazer cálculos de cabeça ou realizar uma mesma tarefa de forma diferente exercitam nosso cérebro tornando nossas redes neurais mais eficientes e criando alternativas, o que prova que nunca é tarde para se desenvolver. Segundo o coordenador das Conversas sobre o Envelhecer, promovido mensalmente pela USP – o médico Egídio Dorea – com o aumento da longevidade da população e com um estilo de vida diferente de gerações anteriores, o envelhecimento tem um novo sentido: “é necessário ressignificar a vida dentro de um novo cenário com mudanças tecnológicas. Para isso precisamos discutir como viver com qualidade de vida”.


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