Para que tanta cobrança com as crianças e os adolescentes?

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Foto/© Ion Chiosea

Ouvíamos que a infância era a melhor fase da vida, que criança precisava brincar, ter regras, se sociabilizar, dormir bastante e dessa maneira iria se desenvolver e tornar-se um adulto “de bem”. Que só quando se “virava adulto”, é que teria mais responsabilidades, mais obrigação, muitos afazeres, poucas horas de sono, diversão e etc.

*Por Daiane Daumichen Antiório

Mas infelizmente nos dias de hoje, já não é bem assim. Observamos um cenário sem muita diferença entre ser adulto e ser criança ou adolescente, pois essa turminha está sempre com uma agenda repleta de coisas para fazer em suas 24 horas do dia. Com muitos compromissos, obrigações, uma vida sem limites, quase sem descanso e MUITA COBRANÇA.

Vemos cada vez mais pessoas estressadas, crianças e adolescentes adoecidos emocionalmente, com depressão, ansiedade, TDAH e transtornos alimentares entre outros diagnósticos.

Pesquisas revelam que atualmente já encontramos crianças entre zero e seis anos totalmente estressadas. Estima-se que no mundo exista uma entre cinco crianças com transtorno mental, e que no Brasil, aproximadamente 70% dos transtornos são desencadeados antes dos 18 anos.

O que está acontecendo?

Acredito que, além do excesso de coisas para fazer, obrigações, temos muita cobrança e exigência com a performance. É uma questão que já venho falando há tempos, e que me preocupa muito.

Recebo um grande número de pacientes na faixa de 9 a 24 anos em meu consultório, apresentando quadros de ansiedade, depressão, transtornos alimentares, sentindo-se perdidos, confusos e com muita dificuldade em lidar quando não conseguem apresentar o resultado esperado, quando sentem que não atenderam às suas próprias expectativas e a dos pais, escolas e amigos.

É fato que os pais estão cada vez mais focados na melhora da performance de seus pequenos, almejam um futuro de sucesso para seus filhos, e, desde a matrícula no maternal, há uma preocupação em colocá-los numa instituição com excelentes resultados nos exames classificatórios, como ENEM, e nos diversos vestibulares das universidades de qualidade do país.

Logo cedo, esses pequenos fazem aulas de idiomas, ballet, natação, robótica, métodos para melhorar o raciocínio e assim o dia vai sendo preenchido e o tempo para brincar e vivenciar experiências situacionais vai diminuindo.

Vivemos numa sociedade que acredita que só tem valor, quem apresenta resultados excelentes, e que se destacam no grupo por isso. Para isso, nossas crianças, são, desde cedo, estimuladas a serem competitivas, a não errarem, uma busca excessiva pela excelência no desempenho escolar, no esporte, no idioma, na imagem, ou seja, em tudo o que fazem.

Vocês podem estar se perguntando: “mas ser perfeccionista não é um ponto forte?”, “Querer que meu filho tenha excelentes resultados não é o ideal?” Sim! Claro que buscar não errar, procurar ser excelente no que se faz e apresentar resultados satisfatórios é o ideal, mas dependendo do grau de exigência que se tem, isso pode trazer consequências drásticas a essas pessoas no presente e ainda mais no futuro.

Não podemos ser perfeitos o tempo todo, sempre teremos alguém melhor do que nós em algo, mas também seremos melhores em outra coisa. Às vezes temos sucesso e outras vezes fracassamos, e assim é a vida.

Fracassar muitas vezes é o melhor caminho para se chegar ao sucesso, pois podemos parar e rever nossas atitudes e onde estamos errando, e assim, nos desenvolver ainda mais. Mas ao contrário disso, o que vejo, são crianças e jovens que sofrem quando não atendem às expectativas depositadas nele.

A gente ouve relatos de crianças desesperadas com uma nota 8 em matemática, português, ou qualquer outra disciplina com medo de desapontar os pais por não terem tirado 10. Só quem vê isso em sala de aula pode entender o que eu falo e o impacto disso.

É importante ensinar as crianças que devem estudar, buscar ter a melhor nota, entregar trabalho, não deixar para estudar em cima da hora, fazer as lições de casa, e que isso resultará em boas notas, tudo é resultado de muito esforço, todavia quando a nota não for boa, é fundamental chamar a criança, ou o adolescente, e perguntar o motivo daquela nota, sem culpar, mas chamar para responsabilidade.

Quando você pergunta o que o impediu de tirar uma nota maior, você o faz pensar o que foi que faltou, e o que será preciso fazer numa próxima avaliação.

Costumo dizer aos meus coachees mirins que precisamos aprender a fazer provas, compreender o que é exigido e saber responder. É comum que quando mudam de ciclo as notas iniciais tendem a cair, como mudança do ensino fundamental I para o II e depois para o ensino médio.
Sempre oriento que tenham paciência e que tudo deve ser revisto, inclusive a maneira que se assiste à aula, se faz lições de casa e como se estuda para as provas. Os pais também podem ajudar dessa maneira, analisando com eles os motivos dessa mudança nos resultados.

Os filhos nunca serão bons em tudo na vida! Os pais precisam compreender que isso é um fato. Mas o que é ser bom aluno, uma boa pessoa, ou uma pessoa de sucesso?

Tudo depende de como analisamos os fatos. O aluno pode ser nota 10 nas matérias, mas na hora de brincar e conviver com outras pessoas ele não saiba lidar em situações de conflito, não saiba trabalhar em equipe, ou se comunicar. Não adianta ter conhecimento técnico se não tiver habilidade e atitude.

Temos crianças e adolescentes inseguros, culpados, com baixa autoestima, competitivos e insatisfeitos, pois não compreendem o sentido de toda essa cobrança e não têm um propósito de vida.

“Quando eu não sei para onde e por que vou, não sei se estou no caminho certo. ”

Como não podem fracassar e temem o insucesso, tendem a ser pessoas que postergam e não terminam as coisas, por estar sempre aperfeiçoando o que faz, melhorando, e procrastinam, ou então, não se arriscam, não realizam por medo de não sair perfeito e de serem julgados.

Mas o mundo fora de casa é outro…

Recebo muitos adolescentes que se dedicaram em sua vida com aulas de inglês, robótica, com o integral na escola, simulados em todos os anos do ensino médio, intercâmbio e como resultado ingressaram numa universidade considerada de nome.

Chegam decepcionados, desmotivados, depressivos e até ansiosos por não conseguirem entrar no estágio, na vaga de trainee ou até o emprego que almejam. Se sentem indignados por não terem passado em processos seletivos, por não serem reconhecidos como esperavam.

Ouço: “eu fiz tudo o que me disseram, por que não consegui a vaga?” Por que foi “vendido” a eles que bastava se dedicar aos estudos que o sucesso seria garantido e que eles poderiam ser o que quisessem. E como a galera diz: “SQN” (só que não)!

Nunca fiz tanta reorientação profissional, e ainda bem que muitos têm pais que percebem isso, os ajuda a rever a vida, apoia e acolhe nesse momento tão dolorido. Já em outros casos, vem uma cobrança e incompreensão do que está acontecendo, levando o jovem às drogas, bebidas, transtornos emocionais, automutilação e até suicídio.

Sou mãe de adolescentes e convivi nos últimos cinco anos com duas vestibulandas em casa. Sempre as deixei livres para serem o que quisessem ser. Nunca cobrei além do que as via conseguindo, porque sabia o que havia ensinado desde cedo.

Mas as vi num sofrimento louco, e muitas vezes se autocobrando exageradamente para entrar nas melhores universidades. Essa visão de estudar nas universidades públicas era uma fala muito mais da escola do que de nós pais. Pois trabalhando com gestão de pessoas, carreira e professional coaching, sei que um profissional de sucesso vai além de entrar na universidade de nome, depende de experiências diversificadas que foram adquirindo ao longo da vida.

Como podem ver, precisamos rever a educação das crianças e repensar juntos com os adolescentes o que é uma entrega de resultado de valor. Que sempre haverá muita cobrança em seus caminhos, e que vai além de notas altas.

Vamos desde cedo ensinar para as crianças que é importante se superar a cada dia, aprender seus limites, conhecer no que se é melhor, conhecer a si próprio e ter foco.

Ensinar que muitas vezes ouvirá um NÃO, que infinitas vezes terá que lidar com pessoas melhores e chatas, e que saiba também lidar com as diferenças.

Está na hora de parar de responsabilizar o mundo pelas frustrações de seu filho, de poupá-lo das dores do mundo, porque ele irá crescer e entrar sozinho nesse mundo em algum momento.

Ensine seus filhos a ter um propósito de vida desde cedo, que ele saiba onde quer chegar. Permita que ele sonhe com as mais diversas possibilidades de profissão, sem perder o foco do seu propósito.

Sim! Uma criança já é capaz de ter um propósito e seguí-lo, e isso tende a mudar muito ao longo da vida.

A partir daí, garanto a todos vocês que eles naturalmente serão mais dedicados e com certeza, sentirão prazer em seguir dedicados até seus objetivos e obter os resultados esperados.


Daiane Daumichen Antiório é psicóloga e personal & professional coach • CRP 06/64100 • Consultório: rua Ana Pereira Melo, 253 – Cj. 203, Vila Campesina, Osasco – SP • Tel.: (11) 3681-9338 | (11) 99819-8781 • E-mail: daiane.psicologia@hotmail.com • www.sereviver.com.br


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