CasaCor2019: nossa casa é parte do planeta!

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Living do Colecionador by Naomi Abe / Foto © Rômulo Fialdini / Retrato © Salvador Cordaro.

A CasaCor SP abriu suas portas no final de maio reafirmando a proposta que adota desde 2014: a da sustentabilidade, seja no consumo da água, no uso consciente dos materiais e na geração mínima de resíduos. A tecnologia presente já não tem pegada futurista e aparece de maneira discreta no controle de luz e som.

Por Silvana Bezerra

A novidade da vez são os projetos com selo CasaCor. Na prática, significa que você pode adquirir o projeto exposto, ainda que queira alguma modificação na planta ou no acabamento. Quatro expositores convidados da mostra desse ano ganharam o selo: Manarelli Guimarães Arquitetura, Gustavo Neves, Léo Schehtman e Triart Arquitetura.

Em comum, eles têm o sistema construtivo; steel frame modular. Largamente usado em áreas sujeitas a terremotos, o sistema é formado por estruturas montadas com perfis de aço galvanizado fechadas com placas que podem ser de madeira (OSB), cimentícias, painéis de alumínio composto e até drywall. O sistema sai pronto de fábrica para uma montagem tipo “plug and play” num prazo de 120 dias. É rápido, mais barato, de fácil manutenção e estima-se que possa durar até 300 anos, dispensando água, tijolo e cimento. Além da estrutura, o cliente poderá adquirir o pacote completo que inclui móveis e eletrodomésticos.

A mostra valoriza e estimula projetos sustentáveis, promovendo a disseminação de técnicas com esse objetivo. Queiramos ou não, o futuro do planeta está nas mãos de cada um, na forma como administramos nossas casas e nossas vidas. Se cada casa esconde um universo particular, ele não está desconectado nem independe dos outros.

Projetos com selo CasaCor

A Casa Sumé assinada por Gustavo Neves evoca um ser mitológico tupi. A Sumé, Zumé ou Tumé Arandu é atribuída a transmissão das primeiras técnicas de uso do fogo, da agricultura e da organização social. O projeto exalta a sustentabilidade em todos os seus pilares: social, econômico e ambiental. A tecnologia está a serviço da humanidade. O espaço traz uma interpretação das técnicas de construção rudimentares do período paleolítico.

Casa Sumé by Gustavo Neves. / Foto e retrato © Salvador Cordaro

Neves dá visibilidade a recursos incomuns em projetos de alto padrão. É o caso do straw bale (fardo de feno usado entre os painéis do steel frame para garantir o isolamento térmico e acústico), piaçava e texturas fabricadas com material orgânico descartado, como tijolos e terra.

Dou preferência a materiais que precisam de um novo destino. A piaçava, por exemplo, perdeu muito mercado, pois as vassouras agora empregam nylon. Usá-la como revestimento é uma alternativa que gera oportunidades e qualifica a cadeia produtiva. É linda e muito resistente”, diz.

Prepare-se para se surpreender. A Casa Sumé tem a fachada revestida com piaçava e uma pesada porta coberta de ex-votos. Os materiais usados são 100% reutilizáveis. O tapete é efeito com amostras de peles gastas. Há poucas divisórias no espaço e a sala de estar se conecta à área de refeições com um painel tomando toda a parede, feito com bolinhas de argila expandida e tela de galinheiro. A cozinha integrada permite contato direto entre quem prepara o alimento, a família e as visitas. Apesar do aspecto rústico, a moradia está equipada para economizar água e energia. Na saída do espaço, mais uma surpresa: os resíduos gerados nas obras da própria CasaCor foram acondicionados em sacos de ráfia, empilhados e moldados criando uma muralha.

Na Casa do Fauno o luxo está presente sem muito rebuscamento. Trata-se de uma homenagem ao Fauno Barberini, figura mitológica romana que ganhou uma releitura de bronze instalada no quarto. Comemorando sua 32ª participação consecutiva na CasaCor, Léo Shehtman diz que partiu do simples para chegar ao sofisticado, misturando peças contemporâneas com antigas. É um luxo sem pretensão. A cozinha, o espaço de refeições e a sala de estar são integrados e, seguindo uma tendência, o banheiro se abre para o quarto sem tantas barreiras. As divisórias cumprem mais uma função estética do que isolamento. A estante em madeira escura percorre toda a extensão da sala ao quarto, seguida no lado oposto por um estreito espelho d’água de 18 metros que se estende até o banheiro. Sobre ele, uma parede em mármore nacarado parece flutuar.

Casa do Fauno by Leo Shehtman. / Projeto Render / Retrato © Salvador Cordaro

O projeto ocupa 144 m², mas Shehtman é enfático: “a funcionalidade não depende do tamanho, mas do aproveitamento do espaço”. Encontramos um exemplo disso no balcão da cozinha voltado para a área de refeições, onde discretos gavetões abrigam panelas, talheres e pratos.

A Casa Moyses foi concebida para ser um espaço que recarrega energias. Assinado pelos arquitetos André Bacalov, Kika Mattos e Marcela Penteado, do TRiART Arquitetura, privilegia as formas orgânicas e a luz natural que ao longo do dia cria diferentes cenários. A paleta escolhida mistura o preto, o branco e o metálico. A adoção da biriba, uma madeira retorcida, se destaca na forma de um divisória. A manutenção da jabuticabeira, natural do lugar, destacou as formas da mesa apoiada no chão de pedriscos.

Casa Moyses by Kika Mattos, André Bacalov e Marcela Penteado. / Foto © Renato Navarro / Retrato © Salvador Cordaro

Cada casa guarda o DNA dos moradores

Pouco importa se a mobília não é exclusiva, se o novo se mistura ao velho e gasto. Nenhuma casa é igual a outra. Cada uma guarda seus segredos. A memória está nos objetos, na disposição dos móveis, na rotina e no cheiro. Sim, as casas têm cheiros que somente o olfato de estranhos percebe. Já não sensibilizam os moradores.

O mundo, porém, já não é mais o mesmo. As casas já não passam de uma geração para outra. As constantes mudanças já não permitem criar raízes mais profundas e, por tudo isso, a CasaCor faz sua homenagem ao Centenário da Bauhaus que cunhou frases famosas como “menos é mais” e “Deus está nos detalhes”. Bauhaus é sinônimo de funcionalidade e elegância, o necessário para uma vida em constante mutação.

O Lounge Bauhaus 100 anos marca a estreia do arquiteto catarinense Tufi Mousse e se destaca pela simplicidade na escolha dos materiais, cores e linhas puras. O ambiente traz um grande painel feito em cerâmica pintada e queimada a 750 °C para vitrificar a pintura, desenvolvido pelo artista plástico Fabrício Silva, inspirado pela obra “Daddy’s Gone Girl” do americano Eric Fischl.

Lounge Bauhaus by Tufi Mousse. / Foto © Felipe Araujo / Retrato © Salvador Cordaro

A Casa de Verdade tem a assinatura da designer de interiores Marcela Pepe. O espaço tem apenas 29 m², mas suficiente para a criação de um ambiente aconchegante. Apesar de dividido, não perde a amplitude graças a uma divisória de vidro. O espaço foi concebido para uma mulher independente que se interessa por arte e design. Mistura madeira palha, couro, linho, móveis hightech e de antiquários. O vermelho nas almofadas e no rack se destacam no ambiente onde os tons neutros predominam.

Casa de Verdade by Marcela Pepe. / Foto © Evelyn Muller / Retrato © Salvador Cordaro

Pela primeira vez o arquiteto Nildo José assina uma casa completa na CasaCor, com sala, cozinha, quarto, banheiro e um jardim interno que ocupam 155 m². Natural da Bahia, o arquiteto contraria aqueles que associam o colorido à sua terra. A sua Casa Dendê é sóbria, abundante em traços retos que destacam a mesa de pedra bruta e os painéis de muxarabi (treliça). Na área de preparo de alimentos formam portas do tipo camarão. No banheiro, os painéis são fixos. Os muxarabis, além do efeito estético, garantem ainda iluminação e ventilação. É um elemento bastante usado no recôncavo baiano.

Casa Dendê by Nildo José. / Foto © Denilson Machado / Retrato © Salvador Cordaro

A Casa OAK recebeu esse nome graças à madeira usada nos muxarabis que recobrem paredes e teto do projeto do Studio CASAdesign, de Moacir Schmitt e Sálvio Moraes Jr. Segundo a dupla, o objetivo foi despertar nos visitantes o desejo real de morar ali. Para tanto, apostaram em elementos acolhedores, como tecidos claros e acabamentos em fibras naturais. Livros, acessórios e objetos pessoais revelam o gosto dos moradores. Nas laterais da cama, uma cadeira e a mesa de cabeceira não formam par e completam outro espaço para livros.

Casa OAK by Sálvio Moraes Jr. e Moacir Schmitt Jr. / Foto © Denilson Machado / Retrato © Leka Mendes

O Módulo 8.2 reflete a busca por espaços menores, mas funcionais. Projetado por Josemar Costa Jr. e André Azevedo, do Studio Costa + Azevedo, são 28 m² de planta baixa pronta para ser replicada em qualquer lugar. O nome vem da cor da tinta 8.2 (chumbo) que contrasta com a madeira. O revestimento cinza que cobre as paredes e o piso delimita a área do banheiro que ainda conta com uma divisória de vidro. Na sala, um nicho com equipamentos apropriados pode servir para o preparo de lanches ou um café.

Módulo 8.2 by André Azevedo e Josemar Costa Jr. / Foto © Salvador Cordaro / Retrato © Studio Costa + Azevedo

Fernanda Tegacini, Fernanda Morais e Nathalia Mouco, do escritório Très Arquitetura, foram buscar inspiração num marco da arquitetura moderna: o Pavilhão de Mies Van Der Rohe, construído para a Feira Mundial de 1929, realizada em Barcelona. Ao final do evento o pavilhão foi demolido, mas o projeto era tão inovador que acabou sendo reconstruído. Hoje, um espaço dotado de cortinas de vidro delimitando os espaços internos e externos podem não surpreender, mas há 90 anos causou furor.

O trio de arquitetas assinam a Casa Grão. Aproveitaram a estrutura de um antigo mezanino para criar um módulo com fechamento de vidro que reúne living, sala de jantar, cozinha, terraço e suíte master. Tudo integrado com apenas uma divisória entre a área intima e a social. O foco é o jardim vertical, criado por Bia Abreu, instalado atrás de uma estante vazada. Dessa forma a natureza foi trazida para o interior do imóvel.

Casa Grão by Fernanda Morais, Fernanda Tegacini e Nathalia Mouco. / Foto © Evelyn Muller / Retrato © Très Arquitetura

Já imaginou mudar e levar a casa para onde for?

Essa é a proposta do arquiteto Duda Porto. A Casa Lite tem 190 m², foi construída em 40 dias, pode ser desmontada e transportada para qualquer outro lugar. O arquiteto resume: “a casa é autossuficiente, modular, de execução limpa e rápida”. O módulo tem fechamento em vidro e portas camarão de muxarabis combinados com pedra bruta miracema. Os tons terrosos predominam nos ambientes integrados, delimitados apenas pela iluminação.

Casa Lite by Duda Porto. / Foto e retrato © Salvador Cordaro

O Loft Mobili segue a mesma linha. Hugo Schwartz e Alexandre Gedeon, do InTown Arquitetura, apostam nos módulos habitáveis que permitem diversas adaptações. A fundação dispensa perfuração do solo. O uso de cobogós associados a claraboias garantem ventilação natural e entrada de luz. Toda a cobertura do ambiente é plana e coberta com uma manta que reflete 95% da luz solar e reduz a sensação térmica interna.

No living do módulo apresentado na mostra as divisórias são mínimas. O revestimento aplicado na forma de espinha de peixe combina duas texturas e se estendem da parede ao teto. As paredes de vidro e os cobogós integram a casa à paisagem. Para Hugo Schwartz, não há como alguém se isolar quando não existem barreiras.

Loft Mobili by Alexandre Gedeon e Hugo Schwartz. / Foto © Denilson Machado / Retrato © Salvador Cordaro

Sua casa, seu refúgio…

Outro que buscou a harmonia do projeto com a natureza, reduzindo as barreiras foi Marcio Michaluá. Sua Cabana Urbana é totalmente integrada. A banheira alta rodeada de plantas tropicais está a dois passos da cama. Concebido para ser um refúgio no meio de grandes cidades o projeto agrega arte, design, fotografia e natureza. Não falta nem o balanço que nos remete à infância, quando tudo parecia mais simples e leve.

No Loft Refúgio, de Consuelo Jorge, a cama baixa com dossel é o ponto central do espaço de 101 m². A arquiteta privilegiou pedras nacionais, fibras e laminados de bambu, que poderão ser reaproveitados após a mostra. Uma das atrações do ambiente é a banheira de rocha, opaca e escura, que ganha destaque com a iluminação cenográfica do restante do espaço. No living integrado à sala de jantar, a sobriedade das cores é quebrada pelo vermelho do sofá e o verde das plantas. Sob a escada foi instalada uma lareira a gás.

Pausa. Quem não precisa de uma vez ou outra? Ana Sawaia faz sua estreia inspirada em outro tipo de pausa: aquelas presentes no tempo das músicas. Aliás, os símbolos das partituras foram pontos de partida para a criação de uma linha de ladrilhos hidráulicos que dividem com a madeira tauari o revestimento do piso e das paredes da saleta de 25 m². A estante modular, além de funcional dá um ar lúdico ao ambiente. Aquarelas foram pintadas sobre partituras de Almeida Prado, pai da arquiteta.

La Pausa, nome da casa de Coco Chanel, na Riviera Francesa, inspirou o nome do espaço de 65 m², a Casa Pausa, assinado por Michel Safatle. Para o arquiteto, o tema da CasaCor celebra o afeto, o aconchego e o bem-estar. Os tons marfim, trigo e areia compõem o ambiente, tendo o preto como base, além de toques de vermelho. Safatle valoriza as texturas, presentes especialmente na área do banheiro e no closet. Espelhos ampliam o espaço. A foto de Rui Teixeira é avistada da porta de entrada, antes que nossos olhos percorram o resto ambiente que reserva ainda espaço para outras preciosidades.

O Estúdio Plural, de Fernando Piva, como diz o próprio nome, não atende a um perfil único. É um espaço democrático que prioriza o bem-estar e a praticidade sem abrir mão do luxo.

O tamanho do living comporta um sofá em L, igualmente amplo que ainda tem a companhia do pufe Saturday, de Jader Almeida. Atrás do sofá foi criada uma galeria para a exposição de uma série de gravuras. Nas paredes foi aplicado lambri amadeirado associado à textura cinza com efeito velvet. O piso foi revestido com porcelanato no padrão granilite. Na cozinha o destaque fica por conta dos armários iluminados com portas de vidro.

A natureza é verde!

O Studio Ro+Ca, de Rodrigo Beze e Carlos Carvalho investiu em madeira ecológica, tintas à base d’água e iluminação de LED para garantir a sustentabilidade da Casa Berilo, nome de uma pedra que simboliza a criatividade e o recomeço. Uma de suas derivações é a esmeralda, cujo verde intenso predomina no ambiente. O trio adotou ainda o estilo high-low, que combina móveis e peças assinadas (caso das poltronas, luminária e carrinho de chá) com itens mais acessíveis.

O banheiro e o quarto são integrados através de uma parede de pedra com divisória de tijolos de vidro. O tapete quadriculado da sala se repete no quarto.

O verde também é destaque no Hall Senhora das Águas, de Bárbara Garcia e Tide Junqueira, do Weiss Arquitetura – inspirado nas águas brasileiras. Em todo o ambiente, azuis e verdes se misturam. No tapete, o pelo tem diferentes alturas, criando a sensação de ondas. Os quadros reforçam a brasilidade do ambiente.

No Living Gourmet, pelas arquitetas Anete Weber e Rafaella Marques, da WM Arquitetura, a unidade do ambiente é garantida pelo piso único sem desníveis, integrada à área externa através de paredes de vidro. O ponto alto do projeto é o painel de musgo, uma obra de arte viva capaz de durar anos em ambientes internos. Na área gourmet, parte dos equipamentos fica embutida num armário com portas de correr.

Cozy House: “cozy” significa aconchegante e esse é o conceito do arquiteto Olegário de Sá nesse projeto. É um espaço concebido para querer ficar. É todo aberto, apenas uma divisória vazada separa a área íntima do restante do espaço. Pia e vaso ficam em pontos diferentes do quarto.

Na área social a paleta neutra é quebrada pelo colorido e as texturas da pintura de Yuri Sarmento e outras obras de arte. Na área de refeições destaca-se a criação de nichos para abrigar objetos decorativos e um amplo assento junto à mesa de jantar.

CasaCor reserva pouco espaço para crianças e adolescentes

Uma curiosidade da CasaCor SP 2019 é a ausência de ambientes destinados às crianças e adolescentes. A única exceção é a Suíte das Crianças, pela Messa Penna Arquitetura e Interiores das arquitetas Olivia Messa e Luciana Penna. O projeto concebido com peças autorais procura despertar e conscientizar os ocupantes a investir em sustentabilidade.

O ambiente é dividido em área de dormir, mais elevada; espaço de estudo e um terceiro destinado às artes, para estimular a criatividade dos pequenos. As cabeceiras e os pés das camas, o balanço e o tapete são feitos de macramê de corda náutica reaproveitável e ainda há instalações confeccionadas com rolinhos de papel higiênico e sacolas plásticas. Toda a madeira usada no espaço é certificada.

A CasaCor São Paulo nessa edição abre mais espaço para jovens profissionais. Alguns se declaram mais compromissados com os desejos do cliente e propõem projetos minimalistas. Os ambientes estão cada vez mais integrados e, se antes a cozinha já aparecia integrada à sala, agora é a vez do banheiro perder a vergonha e se abrir para o quarto. Sim, “menos é mais”, o que pode se traduzir em menos quantidade e mais qualidade, especialmente quando o objetivo é a preservação do meio ambiente. A organização e os participantes da mostra deram provas de que sustentabilidade combina com redução de custos. Só falta o consumidor conhecer e assimilar os novos métodos construtivos propostos.


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