Maestro, música para os nossos neurônios!

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Foto/Divulgação

Não é segredo que a música mexe com nosso humor e nosso ânimo, desperta lembranças e emoções, acalma ou até irrita. Esses efeitos são facilmente percebidos, mas outros só mesmo a ciência pode comprovar. Através da neuroimagem é possível observar como a música é processada em nosso cérebro, ou seja, que áreas no cérebro são ativadas e em que ordem isso acontece.

Por Silvana Bezerra

Hoje se sabe que a música ativa amplas regiões cerebrais relacionadas à linguagem (fala, leitura e escrita), emoção e áreas estratégicas, como o córtex pré-frontal, responsável pelo planejamento e pela organização da informação que já foi armazenada.

A música facilita a conectividade de áreas cerebrais envolvidas com processos motores, emocionais e de linguagem. Por isso, ela tem esse grande potencial para a reabilitação, quando há comprometimento do desenvolvimento devido a transtornos neuropsiquiátricos, ou mesmo em casos de problemas motores.

Pesquisas feitas sobre déficit de atenção revelaram dificuldades de estimar tempo, perceber ritmos e padrões temporais. A música, nesse sentido, pode ser usada parar ativar o cérebro de uma forma melhor aceita pelos pacientes do que treinos repetitivos, servindo como instrumento para modular as dificuldades de organizar, de sequenciar, e que estão associados, por exemplo, ao déficit de atenção.

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Especialistas, porém, ressaltam que a musicoterapia não deve ser confundida como ensino de música, embora possa ser usada também de forma ativa, quando o paciente aprende a tocar um instrumento. Em sessões de musicoterapia o sentido das sessões é de recriar, compor ou improvisar músicas.

A música pode ser aplicada como terapia a diversos tipos de doenças. Até o diabetes tem indícios de melhora com o tratamento, além do déficit de atenção, dislexia, síndromes patológicas e estresse. A musicalização estimula, promove a vivência, o conhecimento e o aprendizado. Pode ser iniciada antes do primeiro ano de vida da criança e se apoia em três pilares: ritmo, melodia e harmonia. A música “acende” o cérebro. O contato com a música deve ser incentivado não apenas na escola, mas principalmente em casa.

Elisama Alexandre – coordenadora da San Francisco Music Center – conta que a musicoterapia vem sendo indicada por médicos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais como parte do tratamento de crianças com deficiência, mas salienta que os resultados variam de acordo com o caso, o envolvimento da família e o interesse do aluno e isso vale para qualquer criança, independentemente da condição. A diferença fica por conta das adaptações que a deficiência exige. Um autista – explica – dificilmente consegue ficar numa aula de 50 minutos. Nesse caso, as sessões duram menos. Há casos que necessitam de atendimento individual inicialmente já que a criança pode ter dificuldades de socialização, mas com o passar do tempo essa barreira pode ser vencida e a criança consegue até falar. Alunos com síndrome de Down tendem a ter dificuldades motoras que são reduzidas com os estímulos certos.
Na musicalização, brincadeiras de roda, correr e pular podem ter objetivos diferentes para cada criança. Através desse tipo de atividade é possível levar o autista à socialização enquanto o portador da síndrome de Down pode ter ganhos na coordenação motora e no intelecto.

O exemplo de “Dudu do Cavaco”

A história de Eduardo Gontijo – o Dudu do Cavaco – hoje com 28 anos, é um exemplo da importância da música e do estímulo precoce das crianças com deficiência. O contato com a música começou cedo, ainda bebê, quando acompanhava as rodas de samba da família que tem oito músicos. O primeiro instrumento que Dudu dominou foi o pandeiro que, aos 12 anos, era seu companheiro inseparável. Com ele, o garoto acabou tocando em diversos grupos: “Nada vê”, “Elite do Samba” e “Chopp com Água”. Aprendeu a tocar percussão, domina o repenique e, hoje, tem no cavaco seu instrumento preferido, graças ao professor Hudson Brasil, que conseguiu transformar as notas musicais em números. O professor aproveitou a habilidade de Dudu com números e desenvolveu um método próprio que facilitou a aprendizagem.

Desde 2003, Dudu do Cavaco se apresenta profissionalmente em casamentos, aniversários e eventos oficiais. É o primeiro músico profissional com síndrome de Down no Brasil a apresentar um álbum completo. Gravou o CD “Dudu do Cavaco Convida” e tem o DVD “Show Dudu do Cavaco & Banda – Sexta na Trilha”. Sua trajetória já rendeu um documentário e três livros assinados pelo irmão Leonardo Gontijo, idealizador do Instituto Mano Down que atua em projetos de socialização, desenvolvimento potencializado, mobilização para autonomia e inserção no mercado de trabalho. Dudu e Leonardo rodam o país apresentando palestras que tratam de inclusão.

O caso de Dudu não é único. Pequenos avanços são perceptíveis para quem acompanha o desenvolvimento de crianças com algum tipo de deficiência e precisam ser valorizados, lembrando que cada um tem seu próprio tempo. Elisama Alexandre lembra o caso de Fred que tem autismo. Mesmo com sessões mais curtas tem demonstrado interesse pela música, participa das atividades propostas, já lê partituras e toca dentro do ritmo. Elisama destaca que a partitura é um código que precisa ser “desvendado”. Para alguns isso é mais simples, para outros não.

É o caso de Pietra – uma garota de 9 anos com deficiência auditiva. A decodificação para ela não é problema. Sua dificuldade está na identificação da música e no alcance das notas, mesmo com uso de aparelho. A menina prefere que olhem para ela, para que possa ler os lábios. O treino para ela é tudo. Tem uma excelente voz e quem não sabe de sua deficiência sequer percebe. Para as crianças, as aulas de percepção são como brincadeiras, jogos que envolvem cartões coloridos, identificação de instrumentos e até compensações através de adesivos.

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Bruno Silva de Sousa – professor de musicalização e instrumento e colega de Elisama na San Francisco Music Center defende a introdução da música desde a primeira infância, independentemente da condição de cada uma, embora reconheça que a prática traz benefícios até para adultos. Segundo ele, a música “conversa” com outras disciplinas como matemática (o tempo da música é contado em frações), história, português, literatura e ajuda a desenvolver várias potencialidades. Nos casos de crianças com deficiência, entretanto, não é possível estabelecer metas, cobrar resultados ou fazer comparações. Cada uma tem características e tempo próprios. Sousa destaca ainda a importância do trabalho conjunto da família e de uma equipe multiprofissional, ideia que é também compartilhada pelo pedagogo Jonas Gomes da Silva – especialista em neurociência.

Jonas ressalta a importância de identificar interesses, habilidades e capacidades de cada criança para adaptar a terapia mais adequada. O caso de um garoto autista que atendeu em 2013 é um exemplo. O garoto fazia natação e, apesar de reconhecer a importância do esporte, Jonas considerou o treino inadequado para o caso. Indicou a música para que pudesse interagir e se expressar. Resultado: o garoto conseguiu aprender violão. Toca Bee Gees, Pink Floyd e, no ano passado, chegou a fazer uma apresentação. Tocou e cantou, algo impensável há alguns anos.
Segundo especialistas, o córtex pré-frontal é uma das áreas mais interessantes do cérebro. É um centro de decisões e funções executivas (atenção, julgamento, controle de impulsos, organização, automonitorização, resolução de problemas, expressão de emoções e sentimentos). É onde podemos avaliar o nosso ambiente e até mesmo estabelecer um controle sobre o nosso próprio pensamento. O que poucos sabem é que o desenvolvimento do córtex pré-frontal não está completo até os 20 ou 25 anos, ou seja, até quase a fase adulta é possível obter inúmeros benefícios através de estímulos mentais, como os proporcionados pela música.

O pedagogo Jonas Gomes da Silva, hoje, acompanha o desenvolvimento de Miguel, um adolescente de 13 anos, portador de síndrome de Down, ou melhor, baterista, percussionista, fotógrafo, praticamente de remo, etc.

Através do remo, Miguel combate a hipotonia (diminuição do tônus muscular e força), comum entre os portadores de Down e estimula a coordenação motora. Na bateria, além de colocar toda sua energia para fora, treina a motricidade fina com o movimento que faz com as baquetas.

Através da fotografia é possível identificar a diversidade de cenários: cidade, campo, relevo e, com a música trabalha o raciocínio lógico através do ritmo, compassos e frações de tempo.

Miguel frequenta o sexto ano, mas não se compara a alunos da mesma série. Sua condição exige, em paralelo, outros métodos que aproveitam suas habilidades. Ele adora trabalhar em roteiros de teatro, cria e dá nomes aos personagens. Assim, ele aprende linguagem.

Se a condição de Miguel é genética, parece que a “veia artística” também está no seu DNA. Filho de uma escritora e um marchand, neto de Walter Arruda – um dos profissionais pioneiros de rádio e TV, jornalista, produtor e diretor, e Cinira Arruda – jornalista, modelo e fotógrafa que ganhou popularidade como jurada do programa Silvio Santos, Miguel tem, por parte do avô paterno, influência das artes plásticas. O violão (que ainda não domina) e a máquina fotográfica são companheiros inseparáveis. Os pais, Ana Beatriz e Reinaldo, convivem com a arte, mas a mãe reconhece que o desenvolvimento do filho provocou outras transformações na família.

Ela própria sempre foi ouvinte assídua de rádio. Adora boa música, mas confessa que pouco ouvia as clássicas, justamente as preferidas de Miguel. O jovem é fã do maestro Júlio Medaglia e ouvinte dos programas da Rádio Cultura. O interesse do filho levou os pais a frequentar a Sala São Paulo, o Teatro Municipal, o SESC Pinheiros e acompanhar as apresentações da OSESP e da Orquestra Modesta – dirigida a crianças, entre outras.

Biba – como Ana Beatriz é conhecida – mãe também de Ana Tereza, de 26 anos e Maria Clara, de 18 anos, reconhece que filhos são sempre oportunidades de aprendizado. Despertando as habilidades e potencialidades do filho, entretanto, ela passou a enxergar o mundo por novos ângulos, valorizar detalhes e pequenos avanços. Percepções que, de outro modo, talvez não tivesse.

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