Alemanha: o inverno cria paisagens de sonhos

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Vista panorâmica de Frankfurt. • Foto/Divulgação

Berço de gênios como Einstein, Beethoven e Goethe,
o país oferece uma experiência diferente a cada estação.

Por Silvana Bezerra

Quando as temperaturas começam a subir no Brasil, o clima segue o roteiro inverso no hemisfério norte. A diferença é que as estações são bem diferenciadas e, dificilmente, se tem por lá “dias de verão” em pleno inverno. Para brasileiros, o país oferece uma experiência completamente diferente. Não é só o clima. O próprio idioma é desafiador, mas nada que o GPS, um tradutor de voz ou, ainda melhor, um guia não resolva. Como diria um alemão: “Wir sind ja nicht aus Zucker”. Traduzindo: “nós não somos feitos de açúcar”, ou seja, não iremos nos desmanchar ou desistir por qualquer coisa. Certo? Quase. O idioma em alguns lugares pode ser complicado.

Fernando H. Saraiva, desde março, trabalha para uma empresa com sede em Duisburg e recentemente foi à cidade para um treinamento. Inglês para ele não é problema, mas na Alemanha a comunicação não foi tão simples. Duisburg não é uma cidade turística. Se dentro da empresa o inglês era corrente, fora não acontecia o mesmo. Descobriu logo que lojas e restaurantes fecham cedo e, aos sábados, o comércio não abre. Sua melhor refeição aconteceu numa churrascaria rodízio, de um português.

O jornalista Roberto Souza conta que viveu uma situação parecida durante uma estada em Bonn. Atravessou o rio Reno só para achar um carrinho de cachorro-quente.
O que surpreende na Alemanha? Para Fernando Saraiva: a limpeza, a organização, a pontualidade, o uso dos rios para transporte e a quantidade de árvores nas ruas. “Os alemães são mais fechados”, diz. Uma boa experiência: os pubs são fantásticos. São antigos e produzem a própria cerveja no local. Por razões profissionais, Fernando deverá voltar ao país, mas desde já planeja estudar alemão, afinal ele também não “é de açúcar”.

Desembarque em Frankfurt

É uma das maiores cidades alemãs com pouco mais de 700 mil habitantes. Localizada à beira do rio Meno, na região central da Alemanha, é um grande centro financeiro e local de nascimento do escritor Johann Wolfgang von Goethe.

Como boa parte da cidade foi destruída durante a 2ª Guerra Mundial, muita coisa precisou ser recuperada. Na chamada Cidade Antiga (Altstadt), a restauração foi fiel. É o caso das três casas em estilo gótico, hoje ocupada pela prefeitura. Chama das Alt Limpurg (limpurg antigo), Römer (romanos) e Löwenstein (pedra do leão), o conjunto é conhecido como Römerberg, uma referência a um antigo proprietário que tinha ligações comerciais com Roma. Como o lugar também é usado para casamentos civis, não estranhe encontrar noivos comemorando a união na praça. Römerberg merece uma visita e muitas fotos. No lado oposto à prefeitura, está a Ostzeile, o casario de madeira, originalmente construído nos séculos XIV e XV. Todos foram reconstruídos depois da 2ª Guerra Mundial.

Ostzeile, o casario de madeira – Foto/© Site Oficial de Frankfurt

Para quem viaja entre novembro e dezembro, a praça oferece uma atração a mais: uma imensa árvore, decorada com milhares de laços, luzes e sinos e um mercado de Natal, muito comum na Alemanha. O de Frankfurt é um dos mais antigos e maiores. Funciona desde 1393. É um mercado de inverno com mais de 200 barraquinhas que oferecem brinquedos de madeira clássicos, cavalinhos de balanço, bonecas e decorações. Outras se concentram em vender comidas e bebidas próprias da época, como vinho quente com especiarias, castanhas assadas, salsichas grelhadas e biscoitos de gengibre.

Um carrossel histórico decorado com cavalos esculpidos em madeira é outra atração do mercado que fica aberto entre o final de novembro até o final de dezembro.

A Igreja de São Nicolau, construída em 1290 como capela real, é outra referência de Frankfurt. A igreja conta com 51 sinos, 4 usados para ressoar e 47 são usados nos carrilhões. Durante a Grande Guerra sofreu pequenos danos e não precisou ser reconstruída. É a única igreja protestante que data da Idade Média.

Para conhecer um pouco mais sobre Goethe, uma das mais importantes figuras da literatura alemã e do romantismo europeu, vale visitar a casa onde ele morou até os 16 anos com a família, antes de mudar para Leipzig onde estudou direito.

Na casa-museu o visitante encontra o mobiliário da época, que inclui a escrivaninha em que Goethe escreveu seu primeiro romance: “Os Sofrimentos do Jovem Werther” e as bases para a sua célebre obra “Fausto”, entre outros trabalhos.

Se quiser conhecer Frankfurt de outro ângulo e sem muito esforço, vale a pena fazer um cruzeiro de 50 ou 100 minutos que pode ser feito inclusive à noite. É possível optar por duas direções: Griesheim, do qual se pode ter uma visão melhor do skyline da cidade, com seus prédios imensos e modernos e o outro na direção da fábrica de curtumes. A opção vale até para quem fizer apenas uma conexão mais demorada na cidade.

As pontes também merecem atenção e a principal delas é a Eiserner Steg ou Ponte de Ferro construída em ferro no final do século XIX para ligar o centro histórico à margem dos museus, a Museumsufer. É do lado dela que saem os barcos de cruzeiro. É uma ponte só para pedestres. Do meio dela é possível tirar excelentes fotos. Outra opção é a Main Tower, um edifício comercial de 56 andares e 240 metros de altura (incluindo a antena). Dali é possível ter uma linda vista do centro.

Vista do restaurante & Lounge Main Tower. Foto/Divulgação.

Uma curiosidade? Não deixe de passar na estação do metrô Bockenheimer Warte. Ela parece estar saindo da terra.

O metrô Bockenheimer Warte. Foto/Divulgação.

A Fortaleza Vermelha sobre o Rio Tauber

Em tradução literal, esse é o significado de Rothenburg ob der Tauber, uma cidadezinha medieval que lembra muito aqueles filmes como “Robin Wood” ou “O nome da Rosa”. A arquitetura das casas é o que mais chama a atenção. É considerada uma das mais belas da “Rota Romântica”, que reúne cerca de 30 cidadezinhas.

Um dia basta para explorar Rothenburg e para se ter uma visão geral dela, uma alternativa é caminhar sobre a muralha que tem 10 metros de altura. O Museu Imperial expõe incontáveis peças do cotidiano medieval, como armas, armaduras, esculturas, ferramentas, entre outros objetos.

A romântica Rothenburg. Foto/Divulgação.

Rothenburg ob der Tauber poderia ser chamada de “Cidade dos Portões”. O mais procurado é o Galentor que dá acesso à antiga área de execuções públicas, comuns na Idade Média. Se visitar o lugar e te der calafrios, melhor evitar outro ponto igualmente tenebroso: o Museu da Tortura, onde é possível encontrar instrumentos para punição de faltas leves como fofoca (máscaras que revelam o crime cometido) até instrumentos de tortura e morte em massa por enforcamento. A cadeira destinada às bruxas é um dos ícones do museu.

A “queridinha” de Hitler

Centro de Documentação da Área de Desfiles do Partido Nazista. Foto/© Chris Baier



Nuremberg, após a ascensão de Adolf Hitler, em 1933, se transformou em um verdadeiro centro para propagação dos ideais arianos e antissemitas.
Para quem tem interesse em se aprofundar no tema vale a pena visitar o Dokumentationszentrum Reichsparteitagsgelände, o Centro de Documentação da Área de Desfiles do Partido Nazista. O museu traça toda a história do nazismo, a forma como Hitler chegou ao poder e como foi apoiado, a organização do partido, os sentimentos antissemitas e racistas, o caminho para a Segunda Guerra Mundial, a resistência alemã, os julgamentos de Nuremberg e o que houve após 1945.

Outra atração imperdível é o Kaiserburg, o castelo de Nuremberg, localizado ao norte, no ponto mais alto do antigo centro histórico. A caminhada exige algum esforço, mas a visão que se terá do alto compensará. Fora todo o acervo exposto, a fonte Tiefe Brunnen, que tem um poço de quase 50 metros de profundidade e a torre Sinwellturm, merecem destaque. Da torre (muitos degraus adiante) se tem uma visão ímpar da cidade que é mostrada sob diversos ângulos num painel de fotos que incluem a destruição provocada pela guerra.

Castelo de Nuremberg. Foto/Divulgação.
Frauenkirche , a Igreja de Nossa Senhora. Foto/© Skelenard

Curiosidades: na Igreja de Nossa Senhora (Frauenkirche), localizada na principal praça da cidade, além das inúmeras obras de arte guardadas em seu interior, possui um relógio mecânico instalado em comemoração a Bula de Ouro de 1356.

Na mesma praça, fica a famosa “fonte bonita”, Schöner Brunnen. Ela possui 19 metros e 40 figuras que representam a visão de mundo do Sacro Império Romano.

Quem prefere aromas e sabores a crendices, não pode deixar de provar o Lebkuchen feito com mel, especiarias como anis, coentro, cravo, gengibre, cardamomo, pimenta da Jamaica, nozes, incluindo amêndoas, avelãs e nozes ou frutas cristalizadas.

Lebkuchen. Foto/Divulgação.

Dresden, a antiga “Florença do Norte”

Divididas pelo rio Elba, Altstadt e Neustadt (Cidade Antiga e Cidade Nova) o que mais impressiona na pequena cidade é que a parte antiga foi inteiramente reconstruída após a Segunda Guerra Mundial, tendo seu estilo barroco preservado. É nessa parte que ficam as principais atrações e pontos de interesse: prédios históricos, museus e galerias. Ou seja, o antigo, restaurado, na verdade é mais novo. O trabalho de restauração, aliás, é inacreditável.

O Palácio Real é outra grata surpresa. O Residenzschloss foi um dos mais importantes e magníficos palácios na Europa do século 18. Hoje, transformado em museu, expõe as coleções de Augusto, o Forte, exatamente nos mesmos lugares onde estavam em 1729. Entre obras de arte, porcelanas e outros tantos objetos é possível encontrar também ferramentas para jardinagem que datam do século 16; armas e armaduras; roupas datadas dos séculos 16 e 17, com tecidos, bordados e costuras restaurados.

Residenzschloss , o Palácio Real. Foto/© Kolossos

O Fürstenzug (A procissão dos Príncipes) é outra obra surpreendente. O painel de 102 metros de comprimento, retrata todos os príncipes para comemorar os 800 anos da Casa Wettin. Originalmente o painel era pintado em sgraffito (uma técnica parecida com a do afresco, geralmente em duas cores, em tons de cinza) mas para impermeabilizá-lo, a tinta foi substituída por 23 mil ladrilhos de porcelana Meissen, em 1904.

Fürstenzug (A procissão dos Príncipes). Foto/© 0pointer

O Striezelmarkt é o mais antigo mercado de Natal registrado. Foi inaugurado em 1434. Ao longo do ano funciona como um mercado comum, mas entre o final de novembro e dezembro, se transforma numa enorme festa de cores, sabores, artesanato e diversão que atraem milhares de pessoas, especialmente turistas.

Striezelmarkt , o mais antigo mercado de Natal. Foto/© LH DD/Dittrich

A vida do outro lado do rio

Se você procura vida noturna intensa, arte de rua, muitas lojas e bares, Neustadt (Cidade Nova) é o lugar certo. Kunsthofpassage é um exemplo. Em 2001, arquitetos e designers decidiram criar um espaço artístico. O espaço foi dividido em cinco áreas temáticas: o pátio dos elementos, o pátio das luzes, o pátio das metamorfoses, o pátio das criaturas místicas e o pátio dos animais. O resultado foi surpreendente. O que não falta na região são grafites e painéis artísticos. Dica: alugue uma bike e explore as ruas e os detalhes de Neustadt. Fora do centro histórico, os preços são mais acessíveis. Aproveite!

Kunsthofpassage. Foto/Divulgação.

Berlim de bike

Foi assim que o produtor de cinema e eventos, Anderson Marcondes, diz ter explorado a capital alemã. Hospedado na casa de uma amiga num bairro residencial, diz que Berlim não é alemã. É cosmopolita demais e define a cidade como o “ápice do 1º mundo”. Tudo funciona.

Prédios mais baixos e ruas extremamente arborizadas fazem de Berlim uma cidade mais escura, conta o produtor, mas não insegura. No verão, os parques ficam lotados, fazem até piqueniques. Tomar sol nos parques é outro costume alemão (ou europeu). As mulheres usam até biquínis, mas os homens preferem o bermudão à sunga.

Além da bicicleta, os tours a pé gratuitos são outras formas de conhecer a cidade. Ao final, o turista contribui com o valor que achar justo pelo serviço.

Para quem for passar pouco tempo na cidade, o circuito pode começar pelo Portão de Brandemburgo – um símbolo do triunfo da paz sobre as armas. Em 1795, o monumento ganhou um carro puxado por quatro cavalos de cobre que representa a Deusa Vitória.

Portão de Brandemburgo. Foto/Divulgação.

Perto dali estão o prédio do parlamento alemão e o Monumento ao Holocausto – um espaço formado por 2.711 blocos de concreto de diferentes alturas. Trata-se de uma memória em homenagem aos judeus assassinados na Europa.

Monumento ao Holocausto. Foto/Divulgação.

O Checkpoint Charlie é uma parada quase que obrigatória para quem quer conhecer um pouco mais sobre o Muro de Berlim. Por onde o muro passava, hoje, há uma marcação e restos do que ele foi um dia. Seguindo por essa sinalização chegamos ao memorial Topografia do Terror que funciona onde, antes, era o maior centro de repressão nazista, o quartel general da Gestapo, que vem da abreviação de Geheime Staatspolizei (Polícia Secreta do Estado).

O passado, entretanto, não tira o brilho da capital alemã que tem seu lado colorido e baladeiro. Os grafites estão por toda parte e um dos clubes mais exclusivos e famosos está em Berlim: o Berghain. O lugar funciona de sexta à noite a domingo à tarde numa antiga central de energia nuclear que possui um pé direito de 18 metros. A qualidade do som, a seleção musical… tudo, dizem, é de primeira. Difícil é entrar e não tem aquela de “você sabe quem eu sou”. A seleção é aleatória e depende do humor do porteiro Herr Sven Marquardt que já se transformou numa figura folclórica do lugar.

Fila para entrada no Clube Berghain e, no detalhe, o porteiro Herr Sven Marquardt. Foto/Divulgação.

Quem prefere os mercados de Natal encontra em Berlim mais de uma opção. O maior está localizado em Spandau, fora da área central, e vale para quem tem um pouco mais de tempo. Na Alexanderplatz você encontrará um mercado tradicional com direito a pista de patinação, próximo de grandes lojas.

Alexanderplatz. Foto/Divulgação.

Vale a pena conhecer a Alemanha?

Vale muito, não só pela história que envolve o país, mas pela capacidade de se reconstruir. Fora do circuito turístico há muito que conhecer, mas a receptividade em pequenas cidades diminui com quem não domina o alemão. Vai desistir? Lembre-se: “não somos feitos de açúcar”.


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